Só ganha o céu quem dá um passo no vazio
Viajar sozinha para voar - mulheres que praticam voo livre - e como são livres!
Viajera convidada: Inahiá Castro
Jornalista e Piloto de Parapente
Viajar sozinha e voar. Eu nasci com uma alma livre, e me lembro que esses eram os desejos mais fortes da minha infância.
Quando eu pensava em ser “gente grande”, isso significava o passaporte para o mundo do “posso fazer tudo sozinha”.
Me atraía essa possibilidade que os adultos tinham de saírem sozinhos, sem precisar andar de mãos dadas e sendo puxados por ninguém.
Eles podiam ir à banca de jornal da esquina, ao supermercado, ao banco, ao trabalho, pegar estrada, ir a outras cidades, ir ao aeroporto, viajar sozinha pelo mundo. Era isso que eu queria da minha vida adulta. Queria ir…
Pertenço a uma família grande, numerosa em primos, tios, e isso me proporcionou uma infância e adolescência quase sempre na coletividade.
Em casa, meus pais eram festeiros e animados, e os amigos eram sempre bem-vindos, tanto os deles como os meus e de meu irmão mais novo.
Isso certamente contribuiu para eu me tornar uma pessoa sociável, comunicativa, que adora gente, mas também me despertou mais que a curiosidade, a necessidade de estar só; de viver momentos comigo mesma, em que as decisões de quando, como e aonde ir dependessem só de mim.
A primeira experiência veio cedo, por volta dos 14 ou 15 anos de idade, quando eu viajava para o interior ou litoral, para visitar a família, e meus pais assinavam autorizações em juizados de menores para que eu pudesse ir sozinha. Aquilo tinha um sabor incrível.
Meu sonho era ser livre: poder viajar sozinha e voar – literalmente!
Mas foi quando comecei a praticar voo livre que o sonho realmente se concretizou e, mais que isso, se tornou um estilo de vida do qual eu não posso e nem quero me distanciar nunca mais.
Muito inerente a esse espírito de liberdade sempre foi a minha vontade de voar. Desde pequena, me imaginava voando, com ou sem asas; com superpoderes ou com equipamentos que pudessem me proporcionar a façanha.
Prometi a mim mesma que quando eu crescesse, iria saltar de paraquedas, voar de asa delta, de vassoura, ser piloto de avião, de nave espacial, qualquer coisa que me colocasse passeando pelo céu. E foi quase isso o que aconteceu.
Em 1990, dois anos após o falecimento do meu pai, um amigo comentou comigo que havia começado um curso de paraquedismo. Ele mal terminou de falar e eu quase gritei: “eu também querooo!” E lá fui eu.
Frequentei as aulas teóricas e em menos de duas semanas fui para a área de paraquedismo de Boituva, no interior de São Paulo, onde fiz meu primeiro salto e mais outros dois no fim de semana seguinte.
Gastei o salário de um mês inteiro pagando pelo lugar no avião, e dormi em um sleeping bag dentro de uma barraca montada no gramado da área de paraquedismo, para economizar o dinheiro do hotel.
Choveu à noite, passei frio e fiquei tão molhada que tive que me abrigar no hangar, graças à boa vontade e compaixão do piloto do avião que se lembrou que eu estava acampando quando a chuva ficou forte.
Ali eu aprendi que viajar sozinha não significa estar só e muito menos abandonada.
Minha vivência no paraquedismo não durou mais de duas semanas, quando eu percebi que o sonho tinha preço e não estava ao alcance do meu bolso.
Uma das pioneiras do Parapente no Brasil – voando e viajando sozinha há 27 anos
Mas, em 1992, conheci o parapente, esporte que havia chegado ao Brasil pouco tempo antes, trazido por franceses, e que começou a ser praticado no Rio de Janeiro, então cartão de visitas do Voo Livre brasileiro.
Conheci os pioneiros da modalidade no país e comecei a aprender e me dedicar àquele esporte que misturava a possibilidade de planeio das asas delta com a dirigibilidade e semelhança aerodinâmica dos paraquedas.
Me tornei uma das primeiras mulheres a voar de parapente no Brasil e meu hábito de viajar sozinha passou a acrescentar uma mochila de 20kg à minha bagagem.
O esporte, que é praticado em regiões montanhosas, me levou a conhecer lugares incríveis no Brasil e no mundo nos últimos 27 anos, e apesar de estar sempre acompanhada de amigos que também voam, as viagens foram e são em grande parte sozinha.
De ônibus, trem, avião, barco, carro próprio ou carona, no final e quase sempre, sou eu comigo mesma para a escolha dos destinos, as rotas a serem seguidas, as decisões durante as viagens, os lugares onde dormir, que variam de suítes ultra confortáveis em hotéis de luxo a colchonetes no chão de algum lugar com paredes e teto.
O momento do voo é o auge do estar só – Plenitude
Ainda que eu possa ter companhia para esses passeios, o momento do voo é a grande viagem dentro da viagem. E ali, sou eu comigo mesma, a centenas ou milhares de metros do chão.
Inflar um parapente e correr montanha abaixo até pisar no vazio é uma das maiores experiências de viagem para dentro de si mesmo.
O silêncio é quase absoluto, interrompido somente pelo som do vento passando pela asa. A atenção absoluta em cada movimento proporciona o quase impossível silêncio da mente.
Não há espaço para passado e futuro, somente para o agora. Esquerda, direita, gira, sobe, desce, procura um lugar seguro, pousa.
O silêncio da mente é o auge do estar só. A possibilidade da viagem para dentro de nós mesmos.
E quando temos essa experiência, seja pela prática de esportes de aventura, técnicas de meditação, exercícios ou práticas de busca interior, entendemos que a experiência do autoconhecimento é o caminho para encontrar prazer em estar só sem se sentir solitária.
Viajar é também e principalmente uma experiência de convivência com novas pessoas, culturas e costumes, e é preciso estar sempre bem e confiante com nossa própria companhia para ser mais maleável no convívio com outras pessoas que se somem a nós pelo caminho e façam cada viagem ser única e muito especial, como um grande voo.