Uma Viagem na Quarentena
Depois de crises de ansiedade, viajei sozinha pela primeira vez neste período atípico. A experiência substituiu o vazio que estava sentindo por leveza e felicidade
Viajera convidada: Fernanda Carvalho
Engenheira, mãe e amante da natureza.
A pandemia chegou e trouxe com ela esse necessário isolamento. Não tive intenção de quebrá-lo, mas tudo surgiu tão repentinamente, que sucumbi à tentação de viajar na quarentena.
Minhas férias foram confirmadas em cima da hora e comentando com uma amiga de Recife, ela acabou me fazendo um convite. Minha reação imediata foi responder: “tá doida? rs…”
Mas acabei indo para os app ver preço de voos. Em 4 dias estava com as passagens compradas, para dali a menos de 15 dias e com zero planejamento!
Cada viagem tem suas particularidades, e eu nunca havia viajado sem um roteiro. Só que dessa vez foi diferente.
Depois de 3 crises de ansiedade por causa de problemas pessoais, juntamente com a reclusão desse período, optei por viajar na quarentena, mesmo sabendo que haveria possíveis julgamentos e que muitos lugares estariam fechados.
Antes de comprar as passagens, fiz uma pesquisa sobre a situação na região. Eles já estavam com as praias liberadas, que era o que mais me importava.
Me hospedei na casa da minha amiga, porém ela seguiu sua rotina normal de trabalho e eu fui conhecer (e me conhecer) sozinha.
Pude ficar com o carro dela, e com o GPS na mão, conheci alguns dos lugares mais famosos de Pernambuco.
Mais que conhecer o lugar, pude conhecer a mim mesma
Sempre tive a curiosidade de viajar sozinha. Desde minha infância fui muito independente, o que me trouxe algumas habilidades, e experiências de vida.
Porém, desde cedo em um casamento, terminado há poucos meses, nunca encontrei espaço pra poder realizar esse sonho. Mas sempre repetia que um dia eu iria viajar sozinha, principalmente ao ver experiências de amigos.
Era algo pendente, dentro da minha listinha de coisas a fazer pelo menos uma vez na vida.
E entendi o prazer que é… Tudo no meu tempo, com atenção exclusiva, curtindo cada pedacinho do lugar, do meu jeito.
Pela primeira vez dirigi sozinha por estradas desconhecidas, cantando com o vento batendo no meu rosto, no maior clichê de liberdade. E me senti assim.
Aproveitei as praias no meu tempo, observei as conchas, a areia e a paisagem. Tirei fotos como eu queria sem me importar com olhares alheios.
Vi lugares que normalmente estariam lotados, onde dividiria com desconhecidos a paisagem na foto, só pra mim.
Foi assim com a praia de Porto de Galinhas, que minha mãe não reconheceu nas minhas fotos, devido à ausência de ambulantes e jangadeiros.
Respeitei as minhas vontades e preferências. Como quando conheci a praia de Muro Alto, linda e super famosa, mas que naquele dia estava própria para surfistas e não pude aproveitar o mar.
Então curti a geografia e natureza daquele lugar, logo procurei outro espaço pra admirar e aproveitar.
A natureza é com certeza minha maior prioridade… Mas também sou apaixonada por cultura e gastronomia.
E foi por Olinda que me apaixonei. As ruas do alto exalam história, e eu não cansava de admirar mesmo que só do lado de fora dos espaços.
Com muitos museus, espaços e restaurantes fechados, não pude me dedicar à esses pilares, mas como disse Saramago:
“Nenhuma viagem é conclusiva. Quando uma viagem termina, outra imediatamente se inicia, já que sempre é preciso ver o que ainda não foi visto ou ver com novos olhos o que já se viu. Sentir o sol onde primeiramente a chuva caiu, ver de dia o que se viu de noite, conversar novas conversas, sentir de novo os velhos aromas, ver a onda que mudou de lugar, a sombra que antes não estava ali. É preciso voltar ao caminho que já se fez, para traçar caminhos novos ao lado dele. É preciso recomeçar a viagem. Sempre.“
Me senti leve e livre… A elevação dos níveis de serotonina e endorfina me preencheram, me deixando feliz como há meses não me sentia!
Por ser um período atípico, perdi alguns passeios, mas ganhei tranquilidade e o privilégio de ter tão poucas pessoas em pontos tão comumente movimentados.
Nos últimos meses havia me perdido de mim. Essa viagem foi um ponto de reconexão. Foi o pontapé de uma nova fase de reconstrução.